Desembargadora do TRT da 2ª Região (São Paulo)
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Dra. Leila Chevtchuk | Fotografia: Revista Angel
Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública 2024, entre 2015 e 2023, ao menos 10.655 mulheres foram vítimas de feminicídio. A violência contra a mulher, portanto, é um problema grave e recorrente, em várias partes do mundo, inclusive, no Brasil.
Trata-se de fenômeno complexo e multifacetado, que se manifesta de diversas formas, atingindo mulheres de todas as idades, classes sociais e regiões. E mais.
Referida violência não se restringe ao âmbito físico, mas também abrange outras dimensões, como a psicológica, a sexual, a moral, a patrimonial, a institucional, bem assim aquelas que, assumindo quaisquer dos contornos citados, podem ser perpetradas em âmbito doméstico ou cibernético. A seguir, abordo cada uma dessas espécies de violência:
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Violência física: é talvez a forma mais visível e reconhecida de agressão contra a mulher. Inclui qualquer ato que cause dano físico ao corpo da vítima, como socos, chutes, empurrões, cortes, queimaduras, entre outros. Pode resultar em lesões temporárias ou permanentes e, em casos extremos, como já se observou, levar à morte.
Violência psicológica: é mais sutil, mas igualmente devastadora. Envolve atos que causam danos emocionais e prejudicam a saúde mental da mulher, como humilhações, insultos, ameaças, manipulação, controle excessivo e isolamento social. O objetivo desse tipo de violência é enfraquecer a autoestima da vítima, fazê-la duvidar de si mesma e torná-la emocionalmente dependente do agressor.
Violência sexual: inclui qualquer forma de ato sexual ou tentativa de perpetrá-lo, sem o consentimento da vítima. Pode envolver desde o estupro até o assédio sexual. As mulheres são particularmente vulneráveis a esse tipo de violência em ambientes domésticos, no trabalho e em situações de conflito. A violência sexual é causa de danos profundos à integridade física e emocional das vítimas.
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Violência moral: situações em que a mulher é difamada, caluniada ou tem sua honra atacada de forma intencional. Esse tipo de violência envolve atos como imputação de fatos falsos, acusações infundadas, exposição pública de situações constrangedoras e divulgação de informações pessoais com o intuito de denegrir a imagem da vítima.
Violência patrimonial: diz respeito ao controle, à destruição ou apreensão dos bens da mulher, visando restringir sua independência financeira e limitar sua capacidade de tomar suas próprias decisões. Esse tipo de violência pode incluir furto, dano, retenção ou subtração de recursos financeiros, propriedades etc. A violência patrimonial é uma forma de controle que busca manter a vítima submissa ao agressor, dificultando sua saída do ciclo de violência.
Violência institucional: ocorre em situações em que instituições públicas ou privadas, como o sistema de escolas, hospitais, etc, falham em respeitar ou garantir os direitos das mulheres. Pode se manifestar, p. ex., por meio de negligência, discriminação, omissão de atendimento. Dela faz parte a violência obstétrica, que envolve práticas abusivas e desrespeitosas por parte de profissionais de saúde. Perpetua a impunidade dos agressores e contribui para a revitimização das mulheres que buscam ajuda.
De outro aspecto, muito embora a violência doméstica e a violência cibernética não se caracterizem como espécies de agressão, são, entretanto, como se disse, contextos em que as várias formas dessas violências contra a mulher são comumente perpetradas.
A violência doméstica envolve agressões cometidas por parceiros íntimos, familiares ou pessoas próximas e pode consistir em qualquer uma das espécies de violência supracitadas.
É insidiosa, pois acontece em ambiente que deveria ser seguro e afetuoso, tornando a situação ainda mais complexa e difícil para a vítima.
A violência cibernética, por sua vez, merece detida atenção, uma vez que, sendo facilitada pelo uso de tecnologias digitais e plataformas “on line”, como redes sociais, aplicativos de mensagens, dentre outros, possui a característica de disseminar-se instantaneamente e, nem sempre, ser totalmente reversível, dada à necessária intervenção técnica e qualificada envolvida, bem como da possibilidade de armazenamento externo do respectivo conteúdo.
Inclui, além da divulgação de imagens íntimas sem consentimento (“revenge porn”), atos como ameaças, assédio virtual, “stalking” (perseguição), difamação “online”, e disseminação de informações falsas (“fake news”).
Trata-se de violência que produz efeitos altamente destrutivos, pois as informações e imagens compartilhadas na “internet” podem ter impacto profundo na vida das vítimas, afetando sua saúde mental, reputacional, provocar o isolamento social e profissional, além de provocar suicídios, especialmente, entre jovens, de resto, já, infelizmente, verificados no Brasil e fora dele.
A culpabilização da vítima, por sua vez, principalmente, no que toca à “revenge porn”, atrelada que está ao machismo estrutural reinante em nossa sociedade, exacerba ainda mais, o sofrimento da mulher, cujas imagens íntimas foram expostas.
Em suma, o espaço pode ser virtual, mas as graves consequências são reais.
Quanto à pornografia de vingança, tal conduta passou a ser considerada crime, com o Advento da Lei 13.718/2018, que inseriu a figura da divulgação de cena de estupro ou de sexo ou pornografia (Pena: reclusão, de 1 a 5 anos).
Pode, ainda, enquadrar-se no aumento de pena, que prevê, para os casos nos quais o criminoso tenha mantido relação íntima com a vítima ou tenha usado a divulgação para humilhá-la, aumento de 1/3 até 2/3 da pena.
Conclui-se, portanto, que o combate à violência contra a mulher exige abordagem integrada e multidisciplinar, que envolva a criação e aplicação de lei eficazes, mas também de educação digital, além do fortalecimento de redes de apoio, campanhas de conscientização e a mudança de atitudes culturais que perpetuam o machismo e a desigualdade de gênero.
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